sábado, 22 de maio de 2010

Apego às escritas

Foi em maio de 2008, durante uma semana absolutamente artística que passei em Porto Alegre fazendo cursos, contatos e assistindo a espetáculos, que ouvi, de uma das mais renomadas pessoas dançantes da cidade onde eu estava, um comentário pouco significativo, mas que, em meio a alguns flashs na minha memória, foi relembrado por mim.
Estávamos nós duas sentadas no café da Usina do Gasômetro, onde eu, com os olhos brilhando, tentava absorver toda e qualquer mensagem daquela, que, por mim, era considerada ídola. Conversa vai, conversa vem, e movida por algum caminho do assunto que estávamos, ela falou como quem desabafa:
- Eu nunca fui ligada às escritas guardadas. Não faço a mínima questão de rever a papelada.
Minha admiração pela estudiosa em dança a qual me refiro era e é tão grande que eu até poderia, por algum momento, repensar alguns conceitos meus e ser flexível o bastante para analisar os dela. Mas com aquela frase eu não poderia concordar. Pelo menos desde os meus 13 anos, quando ganhei uma agenda.
Dois mil e sete, e oito, e nove e, atualmente, e dez. A necessidade de registrar o que fiz no meu dia tornou-se rotina. Não é diário, muito menos depósito de sentimentos (afinal, eu não precisaria disso: faço arte). Começou como uma forma de organizar melhor os horários e minhas tarefas cotidianas. Mas, aos poucos, tornou-se o registro fiel de dias inteiros, incluindo onde fui, o que fiz e o que deveria fazer.
Talvez melhor que registrar, seja reler o que já registrei.
Em dois mil e sete, a agenda cor de rosa da Hello Kitty vem acompanhada de dias que nem gosto de lembrar, mas que, na época, foram considerados por mim como dias incríveis. Pelo menos foi isso que lembro ter lido na minha última "crise nostálgica".
A agenda de dois mil e oito tem na capa e nas folhas coloridas, toda a turma da Minnie e Mickey e, nelas, boas aventuras vividas na terra de Walt Disney na vida real.
Os registros de dois mil e nove são os que mais me conduzem a abrir meu armário e folhear as páginas da simples, mas recheada agenda preta e vermelha da Pucca.
Hoje, escrevo esse texto na minha atual agenda do ursinho Poof, que ainda não tem uma palavra chave para definição, mas que tem me servido como um álbum constante para a colagem de ingressos dos espetáculos que tenho assistido. Poderia ter digitado, mas confesso: agendas tem cheiro de acontecimentos, vida, pessoas e uma futura lembrança garantida muito mais vibrante e verdadeira que as teclas desse computador.
Meu apego às escritas/registros são intensos. Deveria eu me desapegar a eles? Seria isso um vício desnecessário? Sei lá. Por enquanto, prefiro pensar, que posso correr até meu armário agorinha mesmo e descobrir o que fiz há algum tempo atrás, sem precisar me afogar em pensamentos e temer esquecer o já que fiz.

domingo, 9 de maio de 2010

Aplausos às Mães de bailarinos

Os pés doem, a cabeça gira e o corpo implora por um abraço. Durante um dia inteiro, do corpo foi exigido e ele, sem pensar duas vezes, seguiu os comandos da mente e se deixou levar pela arte de produzir movimentos. O que ele mais quer depois de um dia de aulas e ensaios? Simplesmente aquele olhar sincero transbordando amor e apoio.

Este olhar pode ser expresso através de um abraço, de um sorriso, de um beijo estralado...ou então, de um simples “preparar a janta”, “lavar o collant”, “carregar as sapatilhas”. Desde que seja da minha mãe, o olhar aquece meu coração de bailarina.

Não tenho dúvidas de que isso não ocorre só comigo, mas sim com milhares de pessoas que se doam à arte da dança por inteiro, mesmo que, como eu, não tenham suas mães por perto no dia-a-dia. Nesses casos, o amor ultrapassa fronteiras e a profissão “mãe de bailarina” torna-se ainda mais desafiadora. Afinal, não é para qualquer um conseguir transmitir toda essa energia que somente elas nos passam apenas por telefone. Que desafio, hein!

Mas isso não é nada perto do que elas são capazes de fazer. Não fazem pliè, mas se agachariam quantas vezes fossem necessárias para juntar nossas bagunças. Não giram piruetas, mas giram o mundo por festivais, cursos e apresentações ao nosso lado. Não contam a música, mas muito já nos embalaram com canções até que dormíssemos. Não têm bolhas nos pés, mas são elas que sentem as dores por nós. Não fazem grandes saltos, mas, sem dúvida alguma, nos dão o impulso maior para que possamos voar.

Ser mãe de bailarina é dançar com a alma. Dançar com o amor que elas nos transmitem a cada momento. Dançar de maneira a estar entregue a qualquer necessidade nossa. Ser mãe de bailarina é sentir orgulho e transformá-lo em incentivo. Ser mãe de bailarina é ter a confirmação de que nós, bailarinos, além de felizes pela presença delas, somos eternamente gratos por cada olhar. Seja ele expresso da maneira que for.

Sendo assim, movida por saudade e amor, declaro oferecido a ti, mãe, o que mais gosto de receber ao fazer o que me faz bem: aplausos, aplausos e aplausos. Aplausos à minha e a todas as mães de bailarinos. E não para por aí: declaro oferecidos a vocês pelo menos metade de todos os aplausos que recebemos e ainda haveremos de receber ao longo de nossas vidas dançantes, como forma de gratidão e reconhecimento por tudo que fazem e, se não for pedir muito, ainda farão por nós.
 
Publicado no jornal "A Notícia". Joinville, domingo, 9 de maio de 2010
Publicado no blog da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil: http://www.escolabolshoi.com.br/blog/?p=1093